O que alegar nos memoriais?
Por Evinis Talon
As alegações
finais, na forma oral ou por memoriais, constituem peça defensiva de
extrema importância no processo penal, considerando que são a última
manifestação da defesa – logo após a última manifestação da acusação –
antes da prolação da sentença. Por essa razão, analiso, neste texto, o
que deve ser alegado nessa peça defensiva.
Nas alegações finais, a
defesa deve expor eventual causa extintiva da punibilidade, como
prescrição, decadência, perempção ou “abolitio criminis”.
Evidentemente,
o ideal é postular a extinção da punibilidade no momento em que se
origina a sua causa, por meio de uma petição simples. Entrementes, se a
causa extintiva da punibilidade apenas ocorreu após o fim da instrução, e
a defesa ainda não peticionou nesse sentido, é imprescindível que as
alegações finais contenham um tópico sobre essa tese.
Também devem integrar as alegações finais eventuais preliminares de nulidade, como a violação ao art. 212 do Código de Processo Penal, a realização de alguma interceptação telefônica ilegal ou o cerceamento de defesa.
Considerando
que a jurisprudência tem uma forte tendência de considerar grande parte
das nulidades como relativas, exigindo a demonstração do prejuízo e a
impugnação em momento oportuno, é recomendável que a defesa se manifeste
contra a nulidade no momento de sua ocorrência, sob pena de preclusão,
conforme entendimento dos Tribunais Superiores. Nas memoriais, deve-se
reiterar a postulação relativa à declaração da nulidade.
Na
prática, as nulidades expostas nas alegações finais surtem efeitos
apenas se ainda não levadas ao conhecimento do Juiz – porque se já foram
recusadas, provavelmente serão novamente afastadas – ou se quem vai
sentenciar é um Juiz distinto daquele que instruiu o feito.
Entendo
que o controle de constitucionalidade difuso também deve ser requerido
como preliminar e, no mérito, caso um tipo penal seja considerado
contrário à Constituição, deverá o réu ser absolvido por atipicidade da conduta, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal.
Postula-se, por exemplo, que seja reconhecida a inconstitucionalidade do tipo penal previsto no art. 28 da Lei de Drogas,
por ofensa ao princípio da lesividade e ao direito à liberdade, com a
consequente absolvição do réu, em virtude da atipicidade de sua conduta,
haja vista que, se a tipificação de determinada conduta como crime for
considerada inconstitucional, não há tipicidade formal, salvo em caso de
crime remanescente.
No mérito, a defesa precisa examinar o
arcabouço probatório e tratar da autoria e da materialidade. É o momento
de não apenas expor o que cada testemunha afirmou no inquérito ou
durante a instrução, mas também fazer um cotejo entre as várias versões
expostas nos depoimentos, comparando depoimentos de diferentes
testemunhas e diferentes depoimentos da mesma testemunha.
É
recomendável que a defesa faça um exame individualizado dos elementos do
crime (fato típico, ilicitude e culpabilidade), argumentando, por
exemplo sobre a ausência de dolo, culpa, tipicidade formal/material,
resultado, nexo causal, imputabilidade, potencial consciência da
ilicitude do fato e exigibilidade de conduta diversa, assim como a
presença de alguma excludente de ilicitude.
Ainda nas alegações
finais, é importante elaborar teses subsidiárias, que deverão ser
analisadas pelo julgador, ainda que contraditórias. Para o Magistrado,
diferentemente dos jurados, a utilização de teses contraditórias
(negativa de autoria e desclassificação para lesão corporal, por
exemplo) não reduz as chances de resultados benéficos para o réu.
Assim,
são cabíveis teses como a desclassificação do roubo para o furto ou da
tentativa de homicídio para a lesão corporal simples.
Na mesma
linha, são pertinentes e necessários os pedidos de acolhimento de
privilegiadoras, atenuantes e causas de diminuição de pena, assim como
os de afastamento de qualificadoras, agravantes e causas de aumento de
pena.
Há quem entenda que as questões relativas à pena (regime de
execução da pena, substituição por pena restritiva de direitos e
sursis, por exemplo) devem ser ventiladas apenas em eventual apelação,
quando há elementos descritos na sentença. Para quem segue essa linha,
não é recomendável se manifestar sobre algo que, antes de tudo,
pressupõe uma condenação.
Entendo, com a devida vênia, que é
preferível que a defesa se manifeste sobre os aspectos de eventual
execução da pena já na apresentação dos memoriais, salvo em casos nos
quais se pretenda focar toda a atenção do julgador em algum ponto
específico que possa gerar a absolvição, quando, então, o excesso de
teses subsidiárias pode ofuscar uma tese mais benéfica.
Como é
sabido, os Tribunais Superiores não se manifestam sobre matérias
fático-probatórias (súmula nº 7 do STJ). Assim, caso a defesa não
proponha nos memoriais algumas matérias que demandem análise fática,
perderá uma instância julgadora, restando apenas o 2º grau (Tribunal de
Justiça ou Tribunal Regional Federal) para a explanação acerca de
questões fático-probatórias.
Ademais, o regime inicial de
cumprimento da pena e a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos exigem a análise de aspectos probatórios, como
conduta social, personalidade, motivos, circunstâncias, consequências do
crime e comportamento da vítima (art. 59, III e IV, do Código Penal), de modo semelhante à suspensão condicional da pena (art. 77, II, do Código Penal).
Destarte,
entendo ser cabível que a defesa ressalte que, “na remota hipótese de
condenação do réu”, é cabível determinado regime de execução da pena ou a
aplicação de pena restritiva de direitos ou da suspensão condicional da
pena.
Da mesma forma, a defesa também pode considerar manifestar-se sobre a dosimetria de eventual pena de multa, quando cabível.
Dependendo
do crime, também é imprescindível que a defesa se manifeste sobre o
direito do réu de recorrer em liberdade, tenha ou não permanecido preso
cautelarmente durante o processo.
Em suma, essas são algumas questões que podem ou devem ser ventiladas nas alegações finais em processos criminais.
Fonte: Canal Ciências Criminais
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